domingo, 21 de março de 2010

Divagações: Frases de Impacto (Clarice Lispector)



Há muito a se dizer sobre Clarice Lispector, principalmente que a sua literatura é algo que se sente: ou toca, ou não toca! É preciso lê-la para saber. E, como ela, foram poucos os intelectuais capazes de descrever (com tantos detalhes)  os sentimentos humanos e os conflitos psicológicos. Clarice foi, inclusive, considerada "a" Franz Kafka da língua portuguesa. Nasceu na cidade de Tchetchelnik, na Ucrânia, com a data de nascimento incerta, sendo 10 de dezembro de 1920 a que parece ser mais "correta". Veio com a família para o Brasil muito cedo, quando morou em Recife. Em 1930 perde a mãe.  Alguns anos depois muda-se, com a família, para o Rio de Janeiro. Cursou Direito. Escrevia na sala, no quarto, com a máquina de escrever no colo e as crianças brincando e correndo pela casa, com a empregada cuidando dos afazeres do lar. Nunca se considerou uma escritora, apesar de sabermos que sempre fez esse ofício com maestria... Falecera em 09 de dezembro de 1977,  na véspera de seu 57º aniversário. Seu último livro, publicado em vida foi "A Hora da Estrela", que escreveu em paralelo com "Um Sopro de Vida (Pulsações)". 


  
"Quem não é um acaso na vida?"

"Perder-se também é caminho."

"Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim."
 
"Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado da prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria a salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada. Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar no mundo." (Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)

“Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada nem a ninguém. Nasci de graça. Se no berço experimentei essa fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus ( ... ) Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma.” (A Descoberta do Mundo)

“Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.” (A Descoberta do Mundo)

“Senti-me então como se eu fosse um tigre com flecha mortal cravada na carne e que estivesse rondando devagar as pessoas medrosas para descobrir quem teria coragem de aproximar-se e tirar-lhe a dor. E então há a pessoa que sabe que tigre ferido é apenas tão perigoso como criança. E aproximando-se da fera, sem medo de tocá-la, arranca a flecha fincada.” (Água Viva)

“Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E – e se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece mas só acontece o que eu compreendo – que sei do resto? o resto não existiu. Quem sabe nada existiu? Quem sabe me aconteceu apenas uma lenta e grande dissolução? E que minha luta contra essa desintegração está sendo esta: a de tentar agora dar-lhe uma forma? Uma forma contorna o caos, uma forma dá construção à substância amorfa – a visão de uma carne infinita é a visão dos loucos, mas se eu cortar a carne em pedaços e distribuí-los pelos dias e pelas fomes – então ela não será mais a perdição e a loucura: será de novo a vida humanizada.” ( A Paixão Segundo G.H.)