sábado, 15 de setembro de 2012

Ensaio Sobre a Morte I Ou Ensaio Sobre a Morte na Era Pós-Moderna I


Ensaio Sobre a Morte I
Ou
Ensaio Sobre a Morte na Era Pós-Moderna I
 (Mateus Almeida Cunha)


Como se faz para morrer nos dias de hoje? Ninguém mais morre. Temos álbuns intermináveis de fotos digitais, com família, amigos, cachorros, gatos, coelhos, lugares, pés, para-choques de caminhões, janelas de aviões, bancos traseiros de veículos, mares, montanhas, museus, boates, Feiraguais, espelhos... Ah, as fotos nos espelhos... E são tantas! Individuais, duplas, trios, grupais, partes do corpo, músculos (tendo-os para esbanjar ou não), corpinhos gostosinhos (mesmo que se tratem de pneus bem localizados), beijos, bonés, franjinhas, dedos nos lábios... É como um Kama Sutra Ocidental moderno, como forma de autopromoção para a sensualidade (forçada) das partes (entendam: pessoas) que poderiam (poderão?) vir a se interessar.

E temos Orcutes, Feicebuques, Tuíteres, Picazas, Blogues, Instagrans, Iscúbes, Línquede-im, Dropebóxeres, Aifones, Aipedes, Uátizape. Aos que não entenderam, leia-se, necessária e obrigatoriamente nesta ordem: Orkut, Facebook, Twitter, Blog, Instagram, Skoob, Linked-In, DropBox, iPhone, iPad, Whatsapp. E temos também vídeos. Ah, sim, muitos deles! Tantos vídeos e fotos que, mesmo perdendo grande parte deles, nem sentimos tanta falta assim. Quer dizer que se os perdemos e não nos demos conta, talvez não tenham sido tão importantes assim. Teriam? Seriam?

E quem, quando morrer, lerá meus e-mails e responderá aos que (desavisadamente) ainda me enviariam coisas? A Morte talvez respondesse: “- Aqui não há mais Mateus. Agora ele não mais está. Foi um dia, mas hoje já não é. Já não está. Encontra-se noutro lugar. Assinado, Morte”. A mesma Morte com eme maiúsculo, como narrou Saramago. A mesma Morte capaz de se apaixonar pelo seu alvo. Apaixonaria-se a morte por criaturas mundanas e deixá-la-ias viver para a eternidade, até que seus corpos definhassem e vos clamasse que findasse suas vidas?

Hoje já não se morre, com tanta tecnologia. Hoje já não se consegue sentir tanta saudade. Sente-se? Para os (ainda?) vivos, há celulares e internets com webcams para aproximar aquilo que a saudade quis que os corpos não se soubessem... não se tocassem. Não se sentissem. Mas, ainda assim, sentem-se. É bem verdade o que escreveram soube a saudade: que quem inventou a saudade não conhecia a distância. Talvez não conhecesse também o tempo. Esse tempo (cruel) que passa e nos faz envelhecer. Esse mesmo tempo crudelíssimo que nos (re)forma (ou deforma?) ao longo dos anos. Esse mesmo tempo que, após a juventude – nossa idade fértil – faz com que a beleza se esvaia. E isso dói. É aquilo que, com o espelho, vemos degradarmo-nos. Vemos nossa figura enrugar-se, encurvar-se, como num ato simbólico, diante do Senhor Tempo, como que reconhecendo a sua superioridade. “ – Sim, Senhor. Morreremos. Não, não senhor, não o gostaríamos, mas se for da nossa vontade, iremos acostumarmo-nos com a degradação de nossas figuras”. Ah, o tempo... Por que não nos carregas em seus braços e nos acalanta? Mas parece empurrar-nos de um penhasco diante de lanças cobertas de sei lá o quê. Parecem inofensivas, mas, por baixo delas há o que fere. Mas, o que temer, se nossas figuras ainda parecerão jovens diante dos que ficam? E esse tempo que passa verazmente a nos atormentar?   Que me venham, então, a morte e o tempo. Este, antes daquele, pois ainda há muito que viver. E, como se costuma dizer, “só nos resta viver”.


Madrugada (insone) de 14/15 de setembro de 2012.