Ensaio Sobre a Morte
I
Ou
Ensaio Sobre a Morte
na Era Pós-Moderna I
(Mateus Almeida Cunha)
Como se faz para morrer nos dias
de hoje? Ninguém mais morre. Temos álbuns intermináveis de fotos digitais, com
família, amigos, cachorros, gatos, coelhos, lugares, pés, para-choques de caminhões,
janelas de aviões, bancos traseiros de veículos, mares, montanhas, museus,
boates, Feiraguais, espelhos... Ah, as fotos nos espelhos... E são tantas! Individuais,
duplas, trios, grupais, partes do corpo, músculos (tendo-os para esbanjar ou
não), corpinhos gostosinhos (mesmo que se tratem de pneus bem localizados),
beijos, bonés, franjinhas, dedos nos lábios... É como um Kama Sutra Ocidental
moderno, como forma de autopromoção para a sensualidade (forçada) das partes (entendam:
pessoas) que poderiam (poderão?) vir a se interessar.
E temos Orcutes, Feicebuques,
Tuíteres, Picazas, Blogues, Instagrans, Iscúbes, Línquede-im, Dropebóxeres, Aifones,
Aipedes, Uátizape. Aos que não entenderam, leia-se, necessária e obrigatoriamente
nesta ordem: Orkut, Facebook, Twitter, Blog, Instagram, Skoob, Linked-In,
DropBox, iPhone, iPad, Whatsapp. E temos também vídeos. Ah, sim, muitos deles!
Tantos vídeos e fotos que, mesmo perdendo grande parte deles, nem sentimos
tanta falta assim. Quer dizer que se os perdemos e não nos demos conta, talvez
não tenham sido tão importantes assim. Teriam? Seriam?
E quem, quando morrer, lerá meus
e-mails e responderá aos que (desavisadamente) ainda me enviariam coisas? A
Morte talvez respondesse: “- Aqui não há mais Mateus. Agora ele não mais está.
Foi um dia, mas hoje já não é. Já não está. Encontra-se noutro lugar. Assinado,
Morte”. A mesma Morte com eme maiúsculo, como narrou Saramago. A mesma Morte
capaz de se apaixonar pelo seu alvo. Apaixonaria-se a morte por criaturas
mundanas e deixá-la-ias viver para a eternidade, até que seus corpos
definhassem e vos clamasse que findasse suas vidas?
Hoje já não se morre, com tanta
tecnologia. Hoje já não se consegue sentir tanta saudade. Sente-se? Para os (ainda?)
vivos, há celulares e internets com webcams para aproximar aquilo que a saudade
quis que os corpos não se soubessem... não se tocassem. Não se sentissem. Mas,
ainda assim, sentem-se. É bem verdade o que escreveram soube a saudade: que
quem inventou a saudade não conhecia a distância. Talvez não conhecesse também
o tempo. Esse tempo (cruel) que passa e nos faz envelhecer. Esse mesmo tempo
crudelíssimo que nos (re)forma (ou deforma?) ao longo dos anos. Esse mesmo
tempo que, após a juventude – nossa idade fértil – faz com que a beleza se
esvaia. E isso dói. É aquilo que, com o espelho, vemos degradarmo-nos. Vemos
nossa figura enrugar-se, encurvar-se, como num ato simbólico, diante do Senhor
Tempo, como que reconhecendo a sua superioridade. “ – Sim, Senhor. Morreremos.
Não, não senhor, não o gostaríamos, mas se for da nossa vontade, iremos
acostumarmo-nos com a degradação de nossas figuras”. Ah, o tempo... Por que não
nos carregas em seus braços e nos acalanta? Mas parece empurrar-nos de um
penhasco diante de lanças cobertas de sei lá o quê. Parecem inofensivas, mas,
por baixo delas há o que fere. Mas, o que temer, se nossas figuras ainda
parecerão jovens diante dos que ficam? E esse tempo que passa verazmente a nos
atormentar? Que me venham, então, a morte e o tempo. Este,
antes daquele, pois ainda há muito que viver. E, como se costuma dizer, “só nos
resta viver”.
Madrugada (insone) de 14/15 de
setembro de 2012.