sexta-feira, 18 de junho de 2010

Crônica: A Morte Prematura de um Monstro Literário


A MORTE PREMATURA DE UM MONSTRO LITERÁRIO
(Mateus Almeida Cunha)



A morte "prematura” de José Saramago, hoje, é e continuará sendo uma perda inestimável para a humanidade. Se digo que a sua morte foi prematura é porque, apesar de ser um escritor profícuo, ainda muito teríamos a aprender com a suas obras que viriam. Muito mais que escritor, Saramago foi pensador, ensaísta, crítico e, principalmente dono de um espírito criativo único. Suas narrativas longas, textos com excesso ou falta de pontuação "tradicional", o uso do discurso direto confundindo-se ao indireto e a sutiliza de suas opiniões extremamente críticas e perspicazes, eram escritas de forma muito natural.

Foi uma figura atemporal, filho de camponeses, que teve o sobrenome “Saramago” escrito por obra do descuido do escrivão bêbado e que, segundo o próprio escritor, é o único caso relatado na história em que um filho deu origem ao nome do pai, pois quando seu pai descobrira adicionou o sobrenome “Saramago” ao seu nome. Um (grande) homem se foi, um “monstro literário”, mas ficaram as suas ideias reproduzidas em toda a sua fantástica produção bibliográfica e nas suas opiniões muito bem delineadas nas entrevistas, comentários ao público, blog ("O Caderno de Saramago") etc. Quem mais seria capaz de associar alegoricamente uma cegueira branca, semelhante “a um mar de leite”, à condição atual da sociedade? Quem mais teria coragem de, com seu ateísmo explícito, afrontar principalmente a Igreja Católica com as obras O Evangelho Segundo Jesus Cristo e, seu derradeiro livro, Caim?

Saramago disse que, se Adão e Eva foram expulsos do paraíso o culpado foi deus por ter plantado a árvore do fruto proibido ou, mesmo tendo plantado, era sua obrigação ter colocado uma cerca ao seu redor para que Adão e Eva não caíssem na tentação de comer do fruto.

Se a perda de Albert Einstein foi enorme para a Física, ou a de Linus Pauling para a Química ou a de Freud para a Psicologia, a literatura perdeu também um de seus grandes gênios da língua portuguesa e um dos maiores, senão o maior, da atualidade. Certa vez Mário Quintana afirmou “eles passarão / eu passarinho”, demonstrando a sua pseudo-sutileza. O que teria dito Saramago?


Para ele, “As misérias do mundo estão aí, e só há dois modos de reagir diante delas: ou entender que não se tem a culpa e, portanto, encolher os ombros e dizer que não está nas suas mãos remediá-lo — e isto é certo —, ou, melhor, assumir que, ainda quando não está nas nossas mãos resolvê-lo, devemos comportar-nos como se assim fosse”. Precisaríamos todos ficarmos cegos para enxergarmos a realidade da sociedade tal qual ela é? Então, fica-nos a grande idéia: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". Precisamos atentar para o que vemos!