sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Poesia: Foto amarelo-alaranjada



Amarelo,
laranja,
entre tantas cores, 
entre cores multicores:
coloridas, furta-cores,
na foto amarelo-alaranjada o rosto da moça se escondia.

A imagem distorcida da foto editada,
recortada, alterada, modificada,
teria no rosto um sorriso, uma lágrima,
ou a imagem do McLanche Feliz a sua semelhança?


[Para Gisele Mota, a colega da foto, numa brincadeira sobre a sua nova foto do Orkut]
[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

Texto: Depois da Guerra (Vinícius de Moraes)

Segue abaixo, um texto de Vinícius de Moraes que li há alguns anos no livro "Para uma Menina com uma Flor" e que me lembrei hoje, não sei por quê. O texto é do ano de 1944 (época da 2ª Guerra Mundial). Esse é realmente de Vinícius e não (mais) uma "publicação fraudulenta" de supostos autores que sempre recebemos por e-mail (especialmente Luis Fernando Veríssimo, Clarice Lispector, Millôr Fernandes e Arnaldo Jabor, que sempre sofrem).
Disponível em: www.viniciusdemoraes.com.br (Poesia & Prosa)

Boa leitura!






DEPOIS DA GUERRA
(Vinícius de Moraes)



Depois da Guerra vão nascer lírios nas pedras, grandes lírios cor de sangue, belas rosas desmaiadas. Depois da Guerra vai haver fertilidade, vai haver natalidade, vai haver felicidade. Depois da Guerra, ah meu Deus, depois da Guerra, como eu vou tirar a forra de um jejum longo de farra! Depois da Guerra vai-se andar só de automóvel, atulhado de morenas todas vestidas de short. Depois da Guerra, que porção de preconceitos vão se acabar de repente com respeito à castidade! Moças saudáveis serão vistas pelas praias, mamães de futuros gêmeos, futuros gênios da pátria. Depois da Guerra, ninguém bebe mais bebida que não tenha um bocadinho de matéria alcoolizante. A coca-cola será relegada ao olvido, cachaça e cerveja muita, que é bom pra alegrar a vida! Depois da Guerra não se fará mais a barba, gravata só pra museu, pés descalços, braços nus. Depois da Guerra, acabou burocracia, não haverá mais despachos, não se assina mais o ponto. Branco no preto, preto e branco no amarelo, no meio uma fita de ouro gravada com o nome dela. Depois da Guerra ninguém corta mais as unhas, que elas já nascem cortadas para o resto da existência. Depois da Guerra não se vai mais ao dentista, nunca mais motor no nervo, nunca mais dente postiço. Vai haver cálcio, vitamina e extrato hepático correndo nos chafarizes, pelas ruas da Cidade. Depois da Guerra não haverá mais Cassinos, não haverá mais Lídices, não haverá mais Guernicas. Depois da Guerra vão voltar os bons tempinhos do carnaval carioca com muito confete, entrudo e briga. Depois da Guerra, pirulim, depois da Guerra, vai surgir um sociólogo de espantar Gilberto Freyre. Vai se estudar cada coisa mais gozada, por exemplo, a relação entre o Cosmos e a mulata. Grandes poetas farão grandes epopéias, que deixarão no chinelo Camões, Dante e Itararé. Depois da Guerra, meu amigo Graciliano pode tirar os chinelos e ir dormir a sua sesta. Os romancistas viverão só de estipêndios, trabalhando sossegados numa casa na montanha. Depois da Guerra vai-se tirar muito mofo de homens padronizados pra fazer penicilina. Depois da Guerra não haverá mais tristeza: todo o mundo se abraçando num geral desarmamento. Chega francês, bate nas costas do inglês, que convida o italiano para um chope Alemão. Depois da Guerra, pirulim, depois da Guerra, as mulheres andarão perfeitamente à vontade. Ninguém dirá a expressão "mulher perdida", que serão todas achadas sem mais banca, sem mais briga. Depois da Guerra vão se abrir todas as burras, quem estiver mal de cintura, logo um requerimento. Os operários irão ao Bife de Ouro, comerão somente o bife, que ouro não é comestível. Gentes vestindo macacões de fecho zíper dançarão seu jiterburgue em plena Copacabana. Bandas de música voltarão para os coretos, o povo se divertindo no remelexo do samba. E quanto samba, quanta doce melodia, para a alegria da massa comendo cachorro-quente! O poeta Schmidt voltará à poesia, de que anda desencantado e escreverá grandes livros. Quem quiser ver o poeta Carlos criando, ligará a televisão, lá está ele, que homem magro! Manuel Bandeira dará aula em praça pública, sua voz seca soando num bruto de um megafone. Murilo Mendes ganhará um autogiro, trará mensagens de Vênus, ensinando o povo a amar. Aníbal Machado estará são como um perro, numa tal atividade que Einstein rasga seu livro. Lá no planalto os negros nossos irmãos voltarão para os seus clubes de que foram escorraçados por lojistas da Direita (rua). Ah, quem me dera que essa Guerra logo acabe e os homens criem juízo e aprendam a viver a vida. No meio tempo, vamos dando tempo ao tempo, tomando nosso chopinho, trabalhando pra família. Se cada um ficar quieto no seu canto, fazendo as coisas certinho, sem aturar desaforo; se cada um tomar vergonha na cara, for pra guerra, for pra fila com vontade e paciência – não é possível! Esse negócio melhora, porque ou muito me engano, ou tudo isso não passa, de um grande, de um doloroso, de um atroz mal-entendido!


05.1944

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Música: O Tempo Não Pára (Cazuza / Arnaldo Brandão)



O TEMPO NÃO PÁRA
(Cazuza / Arnaldo Brandão)

Disparo contra o sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou um cara

Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara

Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não pára

Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára

Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando uma agulha num palheiro

Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro

A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára

Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára

Música: Roda-viva (Chico Buarque)

Tem dias assim...






RODA-VIVA
(Chico Buarque, 1967)



Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo (etc.)

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo (etc.)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Poesia: A Brusca Procura de Mim



Humildemente vos peço:
- Não me falais sobre as angústias, pois nelas não há solução.

Olha: não me tomes por um cético indeciso que não compreende a essência das coisas,
pois que de tudo fica um pouco. Mas, o que fica mesmo é a sua incerteza de ser e de estar.

Repara: meus olhos já estão cansados de tanto buscar os reflexos
que cedo ou tarde mostrarão o que certamente não quereria perceber.

Sente, meu coração já não bate como antes: tempos idos, dias incertos...
coragem de arriscar e sentir o medo a percorrer o corpo, num ímpeto.

Percebe a vibração que emana dos meus movimentos sutis, estáticos
e percebe também que esse sangue escasso que pulsa em minhas veias mudou.

Ouve aquela voz distante a chamar-lhe a atenção das coisas corriqueiras
e espantas-te com o que vês e sente.

Inspira o cheiro que exala de meu corpo cansado e procura nele o meu próprio sentido,
pois agora que dei por mim, percebo que nada sei sobre esse corpo que carrego e essa voz que vos fala.


[Para Daniela Patrício refletir sobre essa angústia que sentimos do mundo...]

 [Autoria: Mateus Almeida Cunha]