sábado, 6 de março de 2010

Poesia: Sentido(s)


SENTIDO(S)
(Mateus Almeida Cunha)
[para minha vó, Eunice, após 01 ano sem sua presença, em 06/03/2010 ]


Ai desses olhos que não podem enxergar
essa sua imagem marcada em mim,
como um sulco esculpido nas lembranças
cada vez mais distantes, ausentes.

Ai desses ouvidos moucos,
privados da sua voz serena
a entoar canções infantis
que nunca mais ouvirão.

Ai dessa boca sedenta
do sabor das comidas
caseiras, compotas e geléias
feitas com tanto amor.

Ai desse sentido tátil
que não sente sua pele,
seus beijos, seus braços, seus abraços
num embalo de acalanto.

Ai desse ar que não carrega consigo
seu perfume, cheiro de neném
a impregnar o quarto, a casa, a atmosfera
com a sua doce presença.

Ai desse coração dilacerado,
ao perceber a a falta que faz.
E como um sexto sentido,
hoje estar sentido pela Sua Ausência.

Poesia: Saudade ou Um Último Adeus





SAUDADE OU UM ÚLTIMO ADEUS
(Mateus Almeida Cunha)





Quem me entoou cantigas populares, crendices
Quem me contou histórias sobre a Ponta e o Cairu
Quem me fazia deitar ao seu lado, à noite, para rir sobre qualquer coisa
Quem um dia chamou meu sobrinho de “Baé, meu porquinho”
Quem me chamou de “Patinho”, por petiscar o dia inteiro

Não parece ser a mesma voz que ouço na memória tão recente,
Arranhada, sôfrega, latejando controladas emoções
Não parece ser a mesma voz quase inaudível do último dia em que tentamos conversar
Uma voz que balbuciava nomes, ao perguntar-me onde estavam os outros
Quais outros? Eles viriam?
Eles foram?
Mas você se foi...

Quem passeava lentamente comigo durante as tardes
E me fazia esperar seus passos lentos e cadenciados
Virem do meu quarto, calçados com uma pantufa
Gritando: “estou pronta, Seu Lobo!”
Esperando um beijo terno e um abraço confortável,
Além de um “boa noite e eu te amo! Durma bem e até amanhã”
Com medo de não haver amanhã...

Não sabe que esse momento se extinguiu no tempo.
E sufocam agora, nos lençóis da memória...

Aquelas mãos ressequidas pelo tempo, longo e cruel da labuta
Que tanto me acariciaram e acariciei,
Foram as mesmas mãos que se agarraram às minhas para não me deixar partir
Mas, parti daquele hospital. Perdoe-me, pois o tempo findou-me.
Com lágrimas nos olhos parti, com a certeza de que seriam as últimas vezes
Que meus olhos veriam-lhe assim: deitada, triste e apática
Delicada!
E fez-me estremecer o corpo

Uma dor dilacerou-me a alma
Ao ouvir nos corredores gélidos, os suspiros vãos...

É preciso estar atento para os que se vão,
É preciso preparar-se para os que partem,
Porque eles se vão
E seus passos se perdem nos corredores das trevas
Ocultos, silenciosos, desorientam-se e não voltam jamais
Ouço na madrugada passos que se perdem ocultos na memória...

Porque os que se vão somos nós
Nossos filhos, nossos pais, nossos amigos
É preciso sepultar essa dor que nasce tímida,
E se espalha por todo o pensamento.
Conseguiremos?
Vai ser difícil sem você...

Porque um século, é tempo demais para a nossa ínfima vida
E você não conseguiu suportá-lo.
Um fardo muito grande a se carregar.
Mas, você foi forte: você lutou
Mais que isso? Seria apenas uma agressão ao próprio corpo.

O seu espaço no meu armário continua vago para as suas coisas,
Que não sei se virão...

E agora, extasiado observo-a em seu último leito, petrificada...
Das flores amarelas: suas preferidas
Das brancas, apenas (des)colorem seu rosto mórbido e empalidecido
E todas cobrem seu corpo que jaz tão sereno
E finda uma existência tão bonita e alegre,
Matriarcal.
Descanse, repouse em paz!

Mas, é isso: da vida, o que esperar?
Da morte? Esperamos imensamente!

[10/03/2009 - para minha avó, Eunice que falecera em 06/03/2009]

quinta-feira, 4 de março de 2010

Poesia concreta: Pingo


Fiz essa poesia concreta há alguns meses e a adoro! Tenho uma adoração enorme por ela...


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P
ing
ping
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[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

Poesia: Sobre a Saudade II




SOBRE A SAUDADE II
(Mateus Almeida Cunha)


Ter, não ter.
Apenas lembrar.

Tudo se perde,
se vai ou se esvai.

Por que nós não?
Por que não nós?

Vamos, não vamos
Somos, não somos.

Estamos.
Ficamos.

Pelos que cedo
se foram: saudades.


Pelos que se foram:
lembranças etéreas.

Pelos que vão:
que não se vão...

Mas eles
não sabem

E não ficam:
fincam

seus laços 
em nossa memória.

História,
glória.

Eis que fica:
a saudade dói!

Sem mais palavras, 
essa tal palavra-saudade

segunda-feira, 1 de março de 2010

Poesia: A Hora do Cansaço (Carlos Drummond de Andrade)




A HORA DO CANSAÇO
(Carlos Drummond de Andrade, 1984)


As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.