domingo, 11 de setembro de 2011

Ensaio: Imortalidade

Não gostei do final, mas vai assim mesmo...
Mateus
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ENSAIO SOBRE A IMORTALIDADE
[Mateus Almeida Cunha]



- Serão todos imortais.

Foi tudo o que se ouviu, há muito tempo, em algum lugar isolado do planeta. Uma voz vinda do céu, quiçá de algum deus ou deuses ou uma brincadeira de algum cientista do Governo local que, há anos vinha tentando imortalizar seus cidadãos secretamente, por meio de substâncias químicas injetadas em seus corpos quando nasciam: as vacinas. E aquela voz soou com força de Lei, como Decreto ou algo assim. E assim ficou definido: ninguém morrerá. E todos acreditaram. Não se sabe exatamente a data precisa dessa notícia, mas sabe-se apenas que foi numa sexta-feira, pois sexta-feira sempre se é um bom dia para boas notícias.

Sim, ninguém mais morreria a partir daquele instante. A partir de então, tudo ficou mais claro e mais interessante. Não precisariam se preocupar com viroses e abandonaram os cuidados necessários para evitar as suas transmissões; e largaram os remédios de uso contínuo para as doenças crônicas; e o sexo inseguro ficou liberado; e inexistiu a higiene corporal (lavagem de mãos e face e boca e de todo o resto do corpo); e a população, como num ato de revolta, lançou seus antibióticos em fontes e poços e rios e lagos e mares, já que não haveria mais infecções bacterianas.

Era certo que agora estavam imortalizados. Poderiam não fazer nada por todo o dia e em todos os dias, pois nada mais seria necessário: apenas viver-se-ia. E isso era bom. Colocaram um “velho calção de banho”, pois tinham “o dia pra vadiar, um mar que não tem tamanho” e, para completar, ainda havia um “arco-íris no ar” e naqueles “espaços serenos, sem ontem nem amanhã”, argumentaram “com doçura” e perceberam que “sentir a Terra rodar é bom”.

E aumentaram (os que consumiam) o uso de drogas ilícitas e de álcool ou começaram a fazê-lo (os que não consumiam); e abandonaram seus trabalhos porque não precisariam mais de dinheiro para comprar alimento; e fizeram muito sexo sem limites e sem responsabilidade; e viveram... e fizeram... e compraram... e usaram... e não fizeram... e não compraram... e não se cuidaram, afinal, imortalidade é imortalidade.

Mas aquilo não era uma verdade plena. Sim, seriam todos imortais, mas não fisicamente. E isso não foi decifrado em sua essência. Estariam vivos em ações, em emoções e em lembranças, mas isso não foi suficientemente entendido pela população, que estava ávida por vida (física) eterna. E começaram a adoecer e a morrer rapidamente, de forma que só sobrou uma pequena parcela da população. E essa pequena parcela guardou com muita dor aqueles momentos intensos que haviam vivido, resultando em mortes acidentais, disseminação de doenças, partos prematuros e tantas outras coisas que não deveriam ser lembradas, pois não poderiam ter acontecido. Mas aconteceram. E foi com muita dor que, de certa forma, aqueles que se foram ficaram imortalizados na memória dos que viveram sem excessos.   


[inspirado em um livro de José Saramago que iniciei a leitura há alguns anos (e não finalizei, tampouco lembro o nome), na música de Toquinho e Vinícius, Tarde em Itapoã e em loucuras momentâneas]