sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Poesia: Sobre a Saudade I

Já publiquei aqui no blog alguns outros poemas meus, também intitulados "Sobre a Saudade". Acho que já foram publicados, além desse, o "Sobre a Saudade II" e o "Sobre a Saudade IV" (que tenho um carinho muito especial). Os outros podem ser encontrados no marcador que está no menu lateral direito, com o nome "Sobre a Saudade". Espero que gostem!





Sobre a Saudade I
(Mateus Almeida Cunha)



A saudade dói,
mas a grande dor é mesmo lhe perder de mim
E isso dá tal taquicardia
como uma chama a flamejar
e, num ímpeto, se apagar
a levar consigo todas as respostas suas, cruas
numa luz radiante a privar-me da visão
de um espelho a mentir sobre a sua imagem,
reflexo de mim.

Uma imagem deformada e frágil,
a se esconder diante dos olhares
que lhe secam as palavras
capazes de exprimir minha dor.



A saudade corrói,
mas a grande dor é mesmo se perder de si
E isso dá tal paralisia
como uma chama a se apagar
e, num ímpeto, se evolar
a trazer comigo todas as respostas cruas, nuas
numa cruz perfurante a matar-me na solidão:
um espelho a não mentir sobre essa imagem,
miragem de mim.



Uma imagem disforme e débil,
a me mostrar diante dos olhares
que me expõem às palavras
incapazes de exprimir como estou.

Mas você, meu bem,
Você não vem...

Ensaio: Sobre Ser e Estar ou A Metamorfose da Vida

Sobre Ser e Estar ou A Metamorfose da Vida
(Mateus Almeida Cunha)


Sim, eu carrego comigo essa dor e essa dúvida de ser ou de estar. Na verdade, de ser e de estar. Ser? Estar? Sim, a dúvida de ser eu, de ser humano, de ser racional diante de tanta irracionalidade que me permeia e tantas outras coisas que não saberia dizer: apenas sentir. A dúvida de estar: estar num mundo errado ou viver num tempo errado. É preciso, mais que viver, sentir a essência da vida. Porque existem pessoas DO mundo e pessoas NO mundo. Eu não pertenço ao grupo das pessoas do mundo, posto mesmo que estou aqui de passagem. Mais que conflitos, alucinações. Mais que verdades, mazelas sagazes. Mais que angústias, miragens. Mais que viver, sentir. Estar. Ficar. Estar. Esperar. Estar. Fincar. Estar.

E como um passageiro que percebe, após uma longa viagem, estar no vôo errado, eu tento retroceder. Não retrocedo. Fujo das coisas, de mim, e me calo frente aos acontecimentos que nunca cri existirem e nunca supus controlar. Porque viver dói e sentir a vida dá taquicardia tal qual a espera da morte do paciente terminal, pela família. Eles se encontram e choram. Eles rezam, mas eu não sei rezar. A linha tênue que liga a vida à morte me espreita sorrateira por meses contínuos. É bem verdade que, às vezes, ela afrouxa e dá uma trela aos acontecimentos de mim mesmo. E isso me basta para descansar. E penso ter curado, mas cura não há. Eu tento fugir: eu não fujo. Eu tento sumir: eu não sumo. Eu tento morrer: morte não há.

Hoje, apenas observo o jardim que tem vida e dá vida. Ele é verde, entre tanto marrom-barrento por sua volta. Entre tantos indícios do pó primordial que nunca cri sua existência, senão que um mero mito. As folhas me encantam e atraem de tal forma que não consigo pensar em outras coisas, senão às minhas mesmo. É engraçado e, no mínimo estranho, pensar que a folha que hoje observo não existia há um mês e não existirá daqui a um mês. Tal qual a passagem do tempo se torna cruel. Mas como senti-la, senão quando se comparam fatos que nos atraem? Como sentir a vida lhe pulsar pelo sangue que circula, senão quando lhe fere a pele e o fluido escarlate escorre? Uma folha viçosa, com o brilho da própria luz do dia a lhe refletir num processo que nem a química fotossintética mais pura saberia descrever a equação da beleza. Talvez, algum desses grandes gênios do Renascimento pudesse detalhá-la minuciosamente de tal forma numa pintura tão real que a própria tinta fugisse mais da tela do que o próprio brilho da sua essência. Não sei se uma tela poderia reproduzi-la tão fielmente, já que a interpretação que possuo ao olhá-lo pode-se dizer que seja primária. A do artista seria uma outra interpretação primária, própria da sua criação e inspiração momentâneas, e eu faria um interpretação secundária da interpretação primária da figura original. Não. Isso não é difícil de se entender e nem sei mesmo porque detalhar uma observação tão fútil e coerente da realidade, já que o pensamento nos faz donos do próprio pensar-existir. Penso, logo existo. Essa frase não é minha, mas estou apoderando-me dela de tal forma que poderia escrevê-la em qualquer texto de minha autoria que, se não fosse consagrada pelo uso entre os filósofos e intelectuais, poderia dar-me a sua autoria. Não, acho que não quero tê-la como minha, já que se fosse minha ela não teria tanto sentido para mim, mas sim para os que a apreciassem e ela se perderia de mim, tal como se perdeu desse pensador. Talvez porque a existência pseudo-desconhecida das coisas nos dê uma excitação de posse muito maior que a própria satisfação do ato da criação concluída. Ela não me pertence, mas a partir de hoje será minha. E quando se toma algo como seu, primeiramente é preciso acreditar que aquilo lhe pertence, para só depois fazer os outros acreditarem. Quando se cria uma mentira é preciso fazê-la tão bem que você mesmo seja capaz de acreditar na sua existência e refutar veementemente qualquer criatura que tente desmerecer o seu crédito.

Aquela folha que, entre tantos milhares de outras, observo não sabe da minha existência. Nunca pedi que soubesse da minha existência, mas se ao menos a observo por alguns instantes, o mais justo seria ter a sua retribuição. Pensando (mentindo) apenas para mim mesmo que a folha pode estar também me observando atenta e fazendo suposições do que fui, sou e serei, é bem verdade que isso me anima. Pouco abaixo do seu talo, observo uma forma tão disforme, ao longe, da minha posição de observador reflexivo-enigmático que não serei capaz de dizer o que se trata. Possui uma forma delgada e alongada com uma coloração que se assemelha ao próprio caule do vegetal, e que não lhe pertence. Ou melhor, pode até pertencê-lo, uma vez que está unida (aparentemente) de tal forma como uma anomalia vegetal. Porque isso me intriga. Por que isso me intriga? Com o olhar aguçado que só a curiosidade é capaz de produzir identifico que se trata de um casulo. Seria uma borboleta a se esconder, entre tantas outras árvores no mundo, no meu jardim? Um borboleta a, quando se metamorfosear, farfalhar no meu jardim. É impressionante como esses seres conseguem suportar a sua existência. Sim, porque eles se suportam. E isso é tão verdadeiro que, ficam num casulo, escuro, privados da visão do mundo a observar apenas para o seu próprio eu. E depois de um largo período, talvez uma grande epifania faça-os mudar para poder suportar o mundo. O seu mundo. O meu mundo. O nosso mundo. E quando mais tarde lhe ressurgir a vida, será forte o suficiente para se libertar de sua própria prisão, bater as asas tão frágeis e diminutas e ser capaz de levantar vôo. Será capaz? E como será capaz de ver o seu casulo pelo lado externo, após um período de tanta tê-lo visto (e vivido) internamente? Nos metamorfoseamos a cada dia.  

Poesia: Eu? Não. Meu Eu!

Eu? Não. Meu Eu!
(Mateus Almeida Cunha)


 
Introspectivo
Reflexivo
Pensativo
Fugidio
Melancólico
Metafórico
Evasivo
Urbano
Caótico
Ateu
Musical
Contestador
Filósofo da meia-noite


Uma incógnita,
Uma dúvida,
Uma pergunta,
Uma questão,
Um silencioso cubo de treva, Drummond
Uma certeza.


Dúvida?
Certeza!
Silencio

Sofro
Não Amo
Choro
Sorrio
Fujo


Eu mudo
Eu tremo
Eu mudo
Eu mudo, eu mudo, eu mudo
Meu mundo
Minúsculo mundo
Poético mundo

Anti-blasè

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Crítica: A Confissão de Lúcio (Mário de Sá Carneiro)



A Confissão de Lúcio
(autor: Mário de Sá Carneiro)




O poeta e escritor português Mário de Sá Carneiro possuiu uma vida muito conturbada, cheia de adversidades. O autor, por si mesmo era conflituoso, talvez pelo fato de ser homossexual numa época em que a sociedade era tão conservadora. Foi contemporâneo (e amigo) de Fernando Pessoa e, pouco antes de morrer, escreveu algumas cartas para esse, afirmando que não estava mais resistindo. Depois, resolveu vestir um smoking e se suicidou no quarto de um hotel, antes de completar seus 26 anos.

A cantora e compositora Adriana Calcanhotto musicou um de seus poemas, intitulado "O Outro":

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio.
Que vai de mim para o Outro.



Na novela "A Confissão de Lúcio", Mário de Sá Carneiro apresenta a história de um escritor que inicia a história contando que foi preso por dez anos, por conta de um crime, considerado passional, que não cometeu. Mas que, por ser inverossímil, nem valia a pena defender-se.

Tudo começou quando muda-se com um amigo (o escultor Gervásio) para Paris, para cursar Direito e, numa festa promovida por uma estadunidense ("americana") muito liberal conhece o poeta Ricardo de Loureiro, com quem mantém uma relação de amizade profunda ao longo do tempo.

Há um tom de homossexualidade em vários trechos, dentre eles:

“Mas uma criatura do nosso sexo, não a podemos possuir. Logo eu só poderia ser amigo de uma criatura do meu sexo, se essa criatura ou eu mudássemos de sexo.”

Passados alguns acontecimentos, ele e Ricardo se separam (o poeta volta para Lisboa) e depois se reencontrarem. Ricardo está morando com Marta, uma mulher que desperta o interesse e a curiosidade de Lúcio, por não saber a sua verdadeira origem. Quando o poeta retornou de Lisboa, Lúcio afirma:

"As suas feições haviam-se amenizado, acetinado - feminilizado, eis a verdade."

Ele e Marta tornam-se amantes e depois ele descobre que ela também possui outros amantes além dele, com o provável consentimento de Ricardo. Há um triângulo amoroso entre Lúcio, Ricardo e Marta. Lúcio irrita-se com a falta de orgulho de seu amigo e foge de todos até que, um dia, sem esperar, reencontra-se com seu velho amigo Ricardo... 

Ricardo, toma-o pelo braço e leva para a sua casa. Chegando lá, veem Marta segurando um livro. Ricardo pega uma arma do seu paletó e desfere sobre Marta:

"E então foi o Mistério... o fantástico Mistério da minha vida...

Ó assombro! Ó quebranto! Quem jazia estiraçado junto da janela não era Marta - não! - era o meu amigo, era Ricardo... E aos meus pés - sim, aos meus pés! - caíra o seu revolver ainda fumegante!...”

Marta desaparece como uma ilusão e Ricardo morre com o tiro desferido nela. É como se Marta fosse o próprio Ricardo, recriado por ele próprio para poder ter uma relação homoafetiva com o seu amado amigo Lúcio.

Esse livro é muito bom!


Crítica: O Senhor do Senhor dos Anéis - O Mundo de Tolkien


Crítica: O Senhor do Senhor dos Anéis
(autor: Lin Carter)





Engraçado como nunca escrevi nada sobre "O Senhor dos Anéis", que tanto gosto. Hoje é a primeira postagem, não propriamente sobre a obra, mas sobre um dos livros que a cerca: "O Senhor do Senhor dos Anéis, o Mundo de Tolkien", de Lin Carter. O livro não foi escrito por conta da explosão após o lançamento do filme, como David Colbert escreveu o (ruim) "O Mundo Mágico do Senhor dos Anéis".

"O Senhor dos Senhor dos Anéis" foi escrito em 1969 (para os que não sabem, o "O Senhor dos Anéis" é de 1954) e relançado recentemente. No original, o título é "Tolkien: a Look Behind The Lord of the Rings". Portanto, a tradução do título (Editora Record) não foi muito feliz...

Lin Carter apresenta conhecimento da obra, apesar de, na época, "O Silmarillion" (de Tolkien, lançado em 1977) e outras tantas obras do professor (e filólogo) Tolkien ainda não terem sido publicadas. Faz ainda uma profunda análise de livros e mitologias que o influenciaram (nórdica, inglesa, latina etc.) e obviamente influenciaram a sua obra. Em alguns momentos, por conta da quantidade de obras citadas, de personagens e de autores, o texto torna-se complexo, mas nada inviabiliza a (boa) leitura.

Foi muito curioso, inclusive, saber que Saxo Gramaticus escreveu uma obra sobre um certo príncipe "Amlet", onde seu pai é morto. E Shakespeare, muito depois escreveu a obra "Hamlet", sobre um príncipe (também dinamarquês) que teve o pai assasinado... 

Crítica: Hilda Furacão

Crítica: Hilda Furacão
(autor do livro: Roberto Drummond)



Confesso que sou apaixonado pela minissérie produzida pela Rede Globo, na década de 90, intitulada Hilda Furacão. Apenas depois de alguns anos soube que, como de costume, a minissérie era uma adaptação da obra homônima de Roberto Drummond (que também aparece como personagem, na sua obra).

Há algumas diferenças entre a minissérie e a obra original (livro), principalmente pela não-linearidade dos fatos (existente) no livro e também:

-  O frei Malthus usava óculos;
-  Hilda Furacão não decidiu ir para a Zona Boêmia no dia do seu casamento, até porque não havia casamento;
- Hilda Furacão tinha um namorado, mesmo morando no quarto 304 do Maravilhoso Hotel;
- Dona Loló Ventura era viúva e tinha o cabelo lilás (se não estiver enganado);
-  Etc.

O livro é muito bem escrito, numa linguagem extremamente acessível e muito objetivo: os fatos são narrados sem prolixidade. O interessante não é apenas a história da Garota do Maiô Dourado, do Minas Tênis Clube que decide tornar-se prostituta, mas a história que cerca tudo isso. A época da Revolução... Os conflitos políticos... A ideia controversa da criação da Cidade das Camélias... O jornalismo de Roberto Drummond (personagem)... Os conflitos "mundanos" do Frei Malthus... O sonho de Aramel, o Belo... O papel da religião e da arte na pequena cidade de Santana dos Ferros... 

Bem, a ida de Hilda Furacão para a Zona Boêmia também é um mistério no livro. Ela promete contar tudo ao seu amigo, jornalista (e narrador), Roberto Drummond (personagem), mas ela não o faz. Conta apenas da previsão da vidente que a sua maior escola seria a vida. E promete, depois de levar alguns anos na Zona Boêmia, largá-la no dia do seu aniversário (e o faz), no dia 1º de abril. Detalhe: o dia da mentira!  

No final, apesar de decidir ficar com o Frei Malthus, eles se desencontram (de forma muito mais dramática que na minissérie) e não ficam juntos. Hilda muda-se para a Argentina e eles não mais se veem. Ah, o "santo" Malthus larga o seu futuro na Igreja...
Roberto Drummond (escritor), certa vez, numa palestra, tentou convencer os alunos de que Hilda Furacão existiu e que deveria estar linda ainda (na época, com mais de 60 anos!). Será mesmo que Hilda teria existido ou foi (apenas) mais uma brincadeira de Roberto Drummond, por conta do 1º de abril?

Vale a pena lê-lo!