sábado, 20 de fevereiro de 2010

Poesia: Vã Criação




Não faço versos como quem respira
do puro oxigênio a banhar-lhe a artéria
e percorrer o corpo da viva matéria.

Num arsenal de palavras disformes,
cada estrofe a se construir:
disparar sentimentos a ruir.

Seja métrica ou puramente poética,
eu preparo uma rima como quem ama ou sorri.
Talvez nem mesmo saiba se, um dia, algum coração parti.


Em sons rítmicos e descompassados de um verso avassalador
eu tento narrar o tempo que parece ser o que senti.
Em vão, fujo da música que insiste em sair.

Nessa vã criação,
nada além do bem ou do mal
a atormentar-me num dia quase fatal.



[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Poesia: Cor


COR:
COLORIDO OU INCOLOR?
 
[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

Poesia: Você Não Vem




O Sol já se pôs, meu bem,
e você não vem!

É tão tarde...
e amanhã também
você não vem?


[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

Poesia: Alguns Acontecimentos Fúteis



Roubastes meu coração.
          (susto!)
Um roubo,
                 um furto ou
                                   um assalto?


[Autoria: Mateus Almeida Cunha]





Poesia: Sobre a Saudade III


Sobre a Saudade III
(Mateus Almeida Cunha)

 


Sua ausência faz-me estremecer:
vacilo, tremulo, transpiro e sinto um murcho coração a bater hesitante.

Sua ausência faz-me estilhaçar em mil,
em vis pedaços, cacos de mim.

Sua ausência faz-me perder a razão
e enlouqueço vorazmente.

Sua ausência parece-me apunhalar,
e ferido, sangro: pobre coração dilacerado.

Sua ausência faz-me adormecer,
para em sonhos buscar-te plenamente.

Sua ausência faz-me calar em:
fatos, fotos, lembranças e silencio por medo de perder-te.

Sua ausência faz-me abismo de mim em lamúrias.
lentamente caio e me perco no vazio de mim.

Sua ausência faz-me sofrer amiúde,
na infindável busca de seus braços a envolver-me em abraços.

Sua ausência faz-me adoecer:
tenho febre, tenho medo, pereço. Mas minha cura é você.

Sua ausência faz-me perder.
e na solidão de perder-te morro eternamente.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Poesia: Não Acordar um Dia


NÃO ACORDAR UM DIA
(Mateus Almeida Cunha)



Um dia o mundo há de cansar-se de mim!
E mesmo não querendo há de levar-me. Para onde?
Para onde nem sei se existe ou existirá.
Amanhã terei de levantar e sentir meus próprios sentidos.

Quem sabe quando a tarde vier,
a noite surgir e findar o dia:
eu saberei esperar?
Eu espero...

Quem sabe os raios escarlate-dourados do Sol,
que se escondem entre as nuvens,
me façam esquecer
minha insignificância?

Quem sabe a noite silenciosa
me faça pensar que nada existiu,
nada nunca existiu, eu nunca existi,
e tudo é uma grade ilusão?

Quero uma noite longa de descanso,
sobre a relva que me cobrirá um dia,
em seus braços cheios de terra,
a me agasalharem para sempre.

[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

Poesia: Pensamento Solitário

 
Quadro de Salvador Dalí


Eu aqui tão só a pensar,
e aqui tão só, pensar:
como o tempo parar?
como a vida perder?
como num lapso, partir?
como, na ira, um furor?

E eu aqui,
tão só.
A pensar...


[Autoria: Mateus Almeida Cunha]

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sobre o livro de João Ubaldo Ribeiro, A Casa dos Budas Ditosos

 

Com a curiosíssima introdução de João Ubaldo Ribeiro afirmando que tal livro é fruto da transcrição datilografada de várias fitas, gravadas por uma mulher que as deixou no seu prédio, conta uma história (apresentada como real, porém com os nomes das personagens apenas alterados) narrada em primeira pessoa (eu-lírico feminino) sobre as aventuras sexuais de uma baiana que mudou-se para o Rio de Janeiro. Na forma de um diário (confessional), apresenta as diversas modalidades do sexo: incesto, grupal, homossexual (gays e lésbicas), heterossexual, bissexual, troca de casais, entre padres e freiras, interracial, jovens e adultos etc. Trata-se de um dos livros da série que trata sobre os pecados capitais, nesse caso a luxúria.

Sua narrativa é bastante enfática e detalhista/detalhada nos fatos/acontecimentos, levando o leitor a uma viagem imaginária sem quaisquer tipos de pudores no pensamento devido à naturalidade em que o sexo (e a sexualidade) é apresentado.

Um clássico da literatura erótica, assim como Lolita (de Vladimir Nabocov). Apesar de não possuírem a mesma qualidade literária (ou rigor literário), outros livros eróticos também podem ser citados: Cem Escovadas Antes de ir Para a Cama (de Melissa Panarello), O Doce Veneno do Escorpião (Bruna Surfistinha) etc.

Devido à sua provocação, vale a pena ler suas poucas páginas (menos de 200) cheias de aventuras e desventuras sexuais, pouco "tradicionais", longe de serem pudicas. Nesse livro, não há meias-palavras. Tudo que deve ser dito, é dito sem rodeios.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Música: Sins (Adriana Calcanhotto)

Calcanhottizar o mundo com sua poesia... Calcanhotto sempre!  



SINS
(Adriana Calcanhotto)

 
 
                            Sins (1992) 
                          (Adriana Calcanhotto)



Eu nunca faço escolhas
Eu quero sempre tudo
Eu digo sempre sim
Eu não me confundo


Eu vou logo aceitando
Eu peço sempre muito
Eu quero ver o fundo
Eu não vacilo


O tempo todo eu mudo
eu não duvido
Eu nunca nego restos
Eu não decido
eu quero


Para estar em movimento
invento alvos
e finjo que estou perto
eu só minto pra mim mesma


Atrás de freqüências, potências, clarezas
desenho falsas retas
falseio novas rotas
por onde pulsa a minha pressa


Eu não duvido
“e sim eu disse sim eu quero Sims”, eu quero

Sobre o novo livro de Chico Buarque, Leite Derramado





Chico Buarque é dos maiores gênios da Música Popular Brasileira (MPB) e também da cultura nacional. Em suas canções bastante melódicas e seus versos simples ou extremamente trabalhados (tais como as canções "Construção", "Fado Tropical" ou diversas outras), alguns deles a simetria e o jogo de palavras, percebe-se a preocupação do poeta (na verdade, compositor) Chico Buarque de Holanda com a busca da perfeição. Quem nunca sentiu o coração pulsar mais forte ao ouvir os versos: "Oh, pedaço de mim / oh, metade arrancada de mim / Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto / A saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu" em "Pedaço de Mim"?

Mas é bem verdade que, ao meu modo, o Chico compositor (letrista e cantor) é muito superior ou Chico escritor (de prosa). Já tive contato com a sua obra "Budapeste", há alguns anos, que não cumpriu toda a expectativa que havia depositado e, agora, em seu novo romance "Leite Derramado" ele demonstrou uma escrita mais madura e diferenciada de "Budapeste".

"Leite Derramado" descreve a história autobiográfica (para a personagem que escreve o livro - Eulálio d'Assumpção - cuja personagem faz questão de frisar o "p" de AssumPção), decadente, da família desse maribundo em seu leito (quase) de morte. Uma maneira interessante de se narrar os acontecimentos, já que o idoso possui uma narrativa não-linear, tendo lapsos de memória e momentos de avivamento de fatos muito antigos. É impressionante a forma como ele (Eulálio D'Assumpção) orgulha-se da família, principalmente dos seus antecessores (barões da época do império, políticos etc.), ao mesmo tempo que consegue descrever a decadência da sua própria família até chegar ao seu bisneto, nos dias atuais.

Vale a pena ler, já que trata de uma curta saga de uma família, mostrando seus tempos áureos e de decadência. Mas, ainda assim, prefiro o Chico compositor...

Sobre o novo livro de José Saramago, "Caim"




É evidente que muito se espera desse grande monstro literário que é Saramago, no auge da sua sapiência e criação. Não foi à toa que foi muito bem agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura pelo seu maravilhoso livro "Ensaio Sobre a Cegueira", posteriormente adaptado para a Sétima Arte pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles. Deve-se dizer que foi muito bem adaptado, inclusive a ponto de comover o próprio Saramago e os que assistiram o vídeo pós-exibição do filme, disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY - com uma demostração lindíssima de carinho, respeito e admiração de Meirelles para com Saramago, beijando-o ternamente e a emoção fantástica de Saramago dizer que, ao assistir o filme sentiu-se tão feliz como quando acabou de fazer o livro.

O livro "Caim" é uma dessas maravilhas da atualidade que se tem o prazer de ler com a certeza de que ele se perpetuará não apenas por décadas, mas por milênios, tornando-se um clássico. É com grande maestria que Saramago faz uma pungente releitura do Antigo Testamento da Bíblia, ao seu modo, claro. As aventuras e desventuras de Adão e Eva e das suas crias (principalmente Caim, foco da narrativa) são tratadas com uma certa naturalidade (apesar de um toque de angústia e liberdade - ou seria revolta?), sempre fazendo o leitor se lembrar das atrocidades cometidas pelo suposto criador do mundo, deus (aqui também em inicial minúscula), narradas pela Bíblia cristã.

Como diz Saramago, se Adão e Eva foram expulsos do paraíso o culpado disso foi deus por ter plantado a árvore do fruto proibido. E, mesmo tendo-a plantado, ele poderia ter posto uma cerca ao seu redor para que Adão e Eva não conseguissem provar do fruto.

Vale a pela ler! Uma leitura fantástica e extasiante. Sensacional!