sexta-feira, 25 de junho de 2010

Poesia: Traduzir-se (Ferreira Gullar)

O nosso maior poeta da atualidade: Ferreira Gullar!



TRADUZIR-SE
(Ferreira Gullar) 




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Poesia: Desconhecido

DESCONHECIDO
(Mateus Almeida Cunha)


Cuidado: não temas o desconhecido.
Ele não tardará a vir.
Para Drummond, a porta cerrada, não abras.
Não cerre os olhos para o medo,
Ele virá.

Cuidado: a canção desolada que toca,
o livro semi-aberto que se oferece,
o controle da TV que se lança nas mãos.
Não ouça, não leia, não Veja.

Cuidado: a voz que se fala,
a voz que se ouve,
a vós, que se cala.
Fala!

domingo, 20 de junho de 2010

Poesia: Contemplação


CONTEMPLAÇÃO
(Mateus Almeida Cunha)


De repente, a contemplação de um mundo estático:
um abismo entre, os os, dois olhos.
Acorda, do alto, a paisagem a lhe observar:
devorar.
Do alto, o chão a lhe seduzir:
argüir.

Da brisa,
as aves a plainar.
Entre dois mundos, o céu e a terra,
Um penhasco:

                s-a-l -----------t-a-r


                                                ou


                                                        c
                                                          a
                                                             i
                                                               r



No instante da queda, uma contemplação:
a vida.
Uma dúvida que não mais lhe pertence.
Os braços, como asas frágeis a se desfazer.
Pular, saltar, plainar, cair.

                                     Cair
   
                                             Cair

Nada mais lhe resta a não ser um corpo que lhe foi.
Não é: fora.
Do chão, as nuvens passam brancas no céu que lhe inspirara.
Sangue.

Crônica: A Taça do Mundo é Nossa?


É uma verdade indiscutível (ou inquestionável) que, ainda que existam torcedores que não assistam a Copa do Mundo, como eu (por não entender nada ou por não gostar) há uma grande vontade que nosso país, como preconiza a tradição, seja o Campeão da Copa. Mas, ainda que não vençamos, somos campeões em diversas outras coisas: desmatamento, desvio de dinheiro público, leptospirose...


Copa do Mundo é uma coisa muito perigosa porque, ainda que exista a cada quatro anos (assim como as Olimpíadas) corresponde a um período que, "coincidentemente", é muito próximo ao período eleitoral (da presidência). Concidência ou apenas uma Teoria Conspiratória? Seria (ou será) mesmo Marina o nosso Obama brasileiro em versão feminina? Restam esperanças, como em toda (boa) campanha à presidência, porque não cansamos de tê-la. Afinal, o que mais nos resta senão a esperança de que tudo vai melhorar? Se, por um lado, o índice de violência (incluindo os assaltos, homicídios, espancamento, pedofilia etc.) está crescendo, por outro ainda ficamos chocados ao passarmos pela rua com nossos carros com ar condicionado e vidro fechado e vermos aquelas criancinhas "feias e sujas" que as mães muito se esforçam para deixá-las assim e facilitar o pedido de esmolas. Isso me lembra Caetano Veloso, na época da música "Tropicália" que escreveu:

"O monumento não tem porta
A entrada de uma rua antiga, estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente, feia e morta
Estende a mão"

Caetano parecia, naquela época, já demostrar a sua angústia sobre a exploração desses pais, que nem se importam com os filhos. Eles não se importam mas nós, reles passantes, deveríamos nos importar? Sim. Apesar de tudo somos um povo gentil. 

No fundo, somos complexados e sabemos disso. Temos megalomania. Não basta termos um bom estádio, temos de ter o maior estádio do mundo. Não basta termos um elevador comercial (Elevador Lacerda, em Salvador), temos de ter o maior elevador para fins comerciais do mundo. Temos de ter, inclusive a maior floresta do mundo, a maior bacia hidrográfica do mundo, o maior rio o mundo, a maior biodiversidade do mundo... E também a maior metrópole da América Latina, a cidade mais antiga colonizada da América do Sul e outras coisas mais.

A Copa parece anestesiar tudo. Pior, exarceba um sentimento nacionalista-patriótico que parece não existir nos outros quatro anos que se seguem ou que se entecederam. Quase não se vê, fora dessa época, a venda de bandeirinhas do Brasil para carros, pessoas usando suas camisas verde-e-amarelo em "dias comuns". Essa é uma vantagem que os estadunidenses têm sobre nós: seu sentimento explícito de patriotismo. Basta lembrarmos a segunda parte do Hino Nacional (que a maioria não sabe toda a letra ou, se sabe, não sabe como se portar durante a sua execução, salvas algumas exceções) que geralmente não é tocada na Copa:

"Mas se ergues da justiça a clava forte
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte"

Nem tememos a própria morte? Adoramos tanto assim?

A África possui uma história interessante desde a sua Antiguidade Clássica (Egito), passando pela sua colonização pelos ingleses e franceses. Há também a presença de vultos marcantes como Mandela e outros. Lembremos também que John Ronald Reuel Tolkien, grande escritor de língua inglesa, filólogo, nasceu eu Bloemfontein, na África do Sul. Para os que não se recordam, Tolkien foi um dos precursores da ficção fantástica, com a criação de obras como: O Hobbit, O Senhor dos Anéis, O Silmarillion e outras tantas.

Enfim, "bola na trave não altera o placar". Vamos continuar anestesiados (e extasiados) com a Copa e esqueçamos o aumento do preço da cebola, do tomate, das greves do Jurídico, da movimentação do legislativo e que venham as eleições, quiçá após o Hexa.