segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Crônica - A Carcereira ou O Hospital

Crônica: A Carcereira ou O Hospital
(Mateus Almeida Cunha)


"- Marcos Gabriel Teixeira!"
Gritou a segurança do hospital que segurava com força o portão pesado de ferro, desgastado pela falta de manutenção. E o segurava como se fosse propriedade sua, parte de seu próprio corpo. E abriu o portão para o rapazinho que passava sem acompanhante, se contorcendo de dor. Parecia uma carcereira, aquela dona, de olhar ranzinza e repreensivo para com aqueles que tentavam forçar a entrada na ala proibida do hospital público. A ala dos doentes, que não podiam entrar com acompanhantes por limitações de espaço no hospital lotado.

Não me agradava ouvi-la aos gritos chamando nomes, enquanto a placa ao seu lado dizia baixinho, "Silêncio!". O desconforto das cadeiras gélidas e quebradas, onde mal podia me recostar tornaram a espera mais cansativa (e dolorosa) ainda.

Apesar do livro que carregava, nada mais me interessava a não ser olhar aqueles doentes que estavam ao meu lado, atrás, na frente, aos montes. Desisti da leitura e me concentrei em perceber sutilezas que me cercavam. A senhora gorda e de vestido floral (de muito mau-gosto) que estava ao meu lado parecia estar concentradíssima no Capítulo 14 de um livro desconhecido que, até então, meus olhos de águia não puderam identificar. O que me surpreendeu mais foi o clipe de papel gigante que parecia tomar quase metade da folha, qual tamanho descomunal possuía. Era uma marcador de páginas. Parecia mais um marcador de livro. Aquele livro que estivesse, entre tantos outros, na estante, perdido, fechado, poderia ser rapidamente encontrado pelo objeto enorme que se agarrava às suas páginas.

Os olhares tristes e cinzentos me seduziam. Eu, que naquele lugar, naquele momento, era acompanhante de minha mãe. A criança que berrava, a ambulância que chegava à porta com a sirene aos berros, enquanto saía uma maca, veloz como um foguete, de dentro daquele baú e se atirava em alguma sala que não podia ver. Maldita carcereira que não nos deixava entrar. E ficávamos todos com os olhos murchos, ávidos por qualquer movimento no portão que indicasse que alguém estava por sair, são e salvo. Curado ou, pelo menos, sem dores. Podia ser minha mãe. Mas não era.

A senhora gorda de vestido floral, que nunca saberei o nome, continuava a concentrar-se naquele livro misterioso que carregava entre olhares vidrados. O que seria? O livro sagrado de alguma religião que frequentava? A Bíblia, o Alcorão, o Vedas, o Torah? E meu olhar curioso se fixava cada vez mais naquele livro. Ela parece ter-se cansado por instantes e rapidamente o fechou. Pude ler na capa: Cinquenta Tons Mais Escuros. Agora entendo por quê tanta concentração. O que estariam fazendo ali, naquele momento, as personagens depravadas?

Poesia - Sobre a Solidão XI

Sobre a Solidão XI
(Mateus Almeida Cunha)


A noite
A noite basta
A noite basta para nos consolar
A noite basta para nos consolar na melancolia

A melancolia
A melancolia em si
A melancolia em si, existe
A melancolia em si, existe e resiste

A solidão
A solidão na noite
A solidão na noite da melancolia
A solidão na noite da melancolia insiste

Poesia - Sobre a Solidão X

Sobre a Solidão X
(Mateus Almeida Cunha)


O outro
O outro corpo que se lança no escuro
Atiça

O outro
O meu corpo que se lança no vazio
Atira

O outro
O outro corpo que se roça no meu
Atiça

O outro
O outro corpo que se espelha no meu

Mira, atira, acerta
O espelho em pedaços
em mil, em mim
os cacos, o corpo
o outro eu.
Vivos, partidos, aos pedaços
é o que estamos.
"Mas estamos vivos ainda"


[Citação da canção "Natália", de Legião Urbana]



Poesia - Sobre a Solidão III

Sobre a Solidão III
(Mateus Almeida Cunha)


Se houvesse poço, 
                              qual poço?
Se tivesse fundo,
                              qual fundo?
Se houvesse o fundo do poço, 
                              o vazio, no fundo.
A queda,
              o grito,
                          a lágrima,
                                          o silêncio.
O fundo do fundo.


O fundo, no fundo do poço
O levantar, 
                 o cair
O fundo, no fundo
                 o poço
A lágrima, o poço
O poço de lágrimas e silêncio.

Aqui jaz o silêncio, bem no fundo do fundo
Do fundo do poço, o poço.
A queda.