sábado, 6 de março de 2010

Poesia: Saudade ou Um Último Adeus





SAUDADE OU UM ÚLTIMO ADEUS
(Mateus Almeida Cunha)





Quem me entoou cantigas populares, crendices
Quem me contou histórias sobre a Ponta e o Cairu
Quem me fazia deitar ao seu lado, à noite, para rir sobre qualquer coisa
Quem um dia chamou meu sobrinho de “Baé, meu porquinho”
Quem me chamou de “Patinho”, por petiscar o dia inteiro

Não parece ser a mesma voz que ouço na memória tão recente,
Arranhada, sôfrega, latejando controladas emoções
Não parece ser a mesma voz quase inaudível do último dia em que tentamos conversar
Uma voz que balbuciava nomes, ao perguntar-me onde estavam os outros
Quais outros? Eles viriam?
Eles foram?
Mas você se foi...

Quem passeava lentamente comigo durante as tardes
E me fazia esperar seus passos lentos e cadenciados
Virem do meu quarto, calçados com uma pantufa
Gritando: “estou pronta, Seu Lobo!”
Esperando um beijo terno e um abraço confortável,
Além de um “boa noite e eu te amo! Durma bem e até amanhã”
Com medo de não haver amanhã...

Não sabe que esse momento se extinguiu no tempo.
E sufocam agora, nos lençóis da memória...

Aquelas mãos ressequidas pelo tempo, longo e cruel da labuta
Que tanto me acariciaram e acariciei,
Foram as mesmas mãos que se agarraram às minhas para não me deixar partir
Mas, parti daquele hospital. Perdoe-me, pois o tempo findou-me.
Com lágrimas nos olhos parti, com a certeza de que seriam as últimas vezes
Que meus olhos veriam-lhe assim: deitada, triste e apática
Delicada!
E fez-me estremecer o corpo

Uma dor dilacerou-me a alma
Ao ouvir nos corredores gélidos, os suspiros vãos...

É preciso estar atento para os que se vão,
É preciso preparar-se para os que partem,
Porque eles se vão
E seus passos se perdem nos corredores das trevas
Ocultos, silenciosos, desorientam-se e não voltam jamais
Ouço na madrugada passos que se perdem ocultos na memória...

Porque os que se vão somos nós
Nossos filhos, nossos pais, nossos amigos
É preciso sepultar essa dor que nasce tímida,
E se espalha por todo o pensamento.
Conseguiremos?
Vai ser difícil sem você...

Porque um século, é tempo demais para a nossa ínfima vida
E você não conseguiu suportá-lo.
Um fardo muito grande a se carregar.
Mas, você foi forte: você lutou
Mais que isso? Seria apenas uma agressão ao próprio corpo.

O seu espaço no meu armário continua vago para as suas coisas,
Que não sei se virão...

E agora, extasiado observo-a em seu último leito, petrificada...
Das flores amarelas: suas preferidas
Das brancas, apenas (des)colorem seu rosto mórbido e empalidecido
E todas cobrem seu corpo que jaz tão sereno
E finda uma existência tão bonita e alegre,
Matriarcal.
Descanse, repouse em paz!

Mas, é isso: da vida, o que esperar?
Da morte? Esperamos imensamente!

[10/03/2009 - para minha avó, Eunice que falecera em 06/03/2009]

Um comentário:

  1. Simplesmente lindo! Uma descrição fiel da nossa vó e dos seus momentos... Te amo!

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