quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ensaio: Sobre o Silêncio (ou Sobre a Solidão)

Ensaio Sobre o Silêncio 
(ou Sobre a Solidão)
[Mateus Almeida Cunha]



Não ouço a sua voz. Nada! Depois de tudo o que temos, que somos, que fizemos, só tenho o seu silêncio. Nada mais: apenas o silêncio. Um silêncio crudelíssimo a me penetrar vagarosamente o corpo, surgindo-me distintas emoções recheadas de pensamentos que certamente não traduzirão o que estou sentindo ou que deveria sentir.

Esse seu silêncio significa a sua ausência, que é muito pior que a sua presença em meio a discordâncias. Essa sua voz que não ouço, esse vazio que me dói, essa angústia que me preenche. Essa ausência que me corrompe... Como um cristal, pseudo-pétreo, sou frágil. Só caibo em mim. E se caio, meus cacos não "me farão ser-me" novamente. Porque não sou: estou. Porque não vivo: sobrevivo. Porque não falo: silencio.

Entre duas paredes, o maciço. Entre olhares flertivos, fugidios, felinos, felizes, fugazes, me firo. Não me refiro às barreiras intransponíveis, mas ao fato de ter sido posto um ponto: um muro
entre dois mundos. Um muro. Um mundo. Um novo mundo. Mudo-me, faço-me, refaço-me, desfaço-me, construo-me, desconstruo-me, reconstruo-me a cada silêncio. A cada ausência disfarçada, a cada silêncio seu, sozinho, sonho, sofro, sufoco e esses seus atos que me vêm à cabeça, seus atos, seus atos, seus atos, seus atos, seus atos, seus atos... Seus autos!

Tranquilizo-me com aquilo que somos, que temos, que não somos, que dissemos, que somos, que fizemos, que não somos, que contamos, que somos, que choramos. Agora não estamos. E fica a lembrança ou (des)consolo do seu não-som...

As horas têm sido difíceis. Nunca disseram que não seriam assim, mas a esperança faz da nossa vida uma arte e, nessa parte, nunca entendi (ou nunca me quis entender). Eu nunca cri em verdades não ditas, mas no silêncio maldito, um medo atroz. Fujo. Fujo-me. Finjo. Finjo-me. Malditas palavras não-ditas. Antes tivesse ouvido: - adeus. Mas o silêncio prossegue nesse castigo a me atormentar: o seu silêncio.


Escrito integralmente no celular, durante o show de Vitor Passos e Victor Longo, ao ler um e-mail de Ana Patrícia com a temática sobre o silêncio, de autoria desconhecida. Rio Vermelho, Salvador, 18/10/2011. Ilustração de  Eduard Münch, "A Separação II", sugerida por Ana Patrícia.

2 comentários:

  1. Nossa, Matheus, não sabia que você era esse grande literato. Autêntico, melancólico, sofrível, dramático! Gostei! Gostei, mesmo! Você podia pensar em escrever algo positivo sobre o silêncio um dia... O que acha? Lembro que, certa vez, perguntaram ao seu ídolo (Calcanhotto) sobre o que ela escutava quando estava em casa. Ela disse: "Trabalho com música, às vezes preciso do silêncio também!". Quem não precisa?

    ResponderExcluir
  2. Obrigado,Victor. É porque, na maioria das vezes, o silêncio de outra pessoa é terrível.
    Gostei da sua sugestão e vou (tentar) escrever sobre o nosso próprio silêncio, como uma tentativa de autoconstrução, numa visão mais otimista.
    Calcanhotto é o que há de bom, né?
    Grande abraço

    ResponderExcluir