quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Conto: Os Três Amantes

Os Três Amantes
(Mateus Almeida Cunha)


Quando se fala (e se pensa) em amor é inevitável deixar de associar a cena da paixão a algum casalzinho jovem que, entre tantos outros, se abraçam, se beijam e se amam avidamente, com o desejo de se devorarem. Pouco importa quem sejam ou onde estejam. Aqueles dois que há tanto se conheciam, desde cedo, colegas de classe, amigos íntimos...

Quando crianças, nunca houve beijos, ou mãos a se tocar vagarosamente, posto que a timidez não permitia. E não era de se estranhar que, entre tantos meninos e meninas na escola, nada havia acontecido durante muito tempo. E, quando o sinal soava, ao Sol do meio-dia, todas aquelas crianças corriam loucamente (e destrambelhadamente) pelos estreitos corredores. Não pareciam nem um pouco diferentes do comportamento animal, muito próximo das manadas. As mochilas a voar pelos corredores, arremessadas ao chão, às paredes, ao teto, aos outros colegas... o tumulto histérico do corre-corre para ver quem sairia primeiro e seria o campeão do dia, os empurrões e nenhuma preocupação a lhes perturbar. Assim foi a infância. 

A adolescência chegou e tudo começou a mudar. Sim, aqueles olhares eram mais penetrantes e flertivos entre ele e ela, as conversas eram mais demoradas e não havia mais corre-corre (pelo menos entre os da sua idade) no término das aulas. Começavam então a arranjar motivos para se tocar, de forma discreta, já que seu próprio corpo não mais lhes satisfazia. E sabiam que o seu prazer, refletido no desejo, só haveria de saciar-se completamente com o outro corpo: a descoberta do próprio corpo, no outro corpo.

A descoberta do próprio corpo com outro corpo, parecia-lhes cada vez mais, em segredo, ser uma penitência nos seus dias. Ah, era cada vez, secretamente, sede da própria sede. Conversar, rir, passear, não lhes bastava mais: era preciso experimentar. E mesmo sem dizer palavras, sabiam que se amavam e queriam satisfazer-se plenamente, provando do fluido responsável pela digestão, que molhava os lábios. Era preciso deixar-se sucumbir ao fato de que não se pode viver sem amar e seus corpos, em formas atraentemente definidas lhes despertavam o erotismo.

E como uma árvore a se desenvolver, cujas flores já anunciavam a safra de frutas que viriam, resolveram provar do fruto. Talvez o fruto proibido em sua idade quase adulta. Estavam a sós e conversavam sobre tudo (e nada) de uma só vez, numa verborragia inexpressível. De repente, como numa música erudita que pausa no instante crucial, não havia mais o que dizer, pois tudo já havia sido dito: o não-dito. Mal dito. Maldito.

Se olharam... entreolharam... sorriram timidamente... e disfarçaram o olhar. Era inevitável! Seus olhos se procuraram em olhares introspectivos, dilacerantes: de-vo-ra-do-res. A face não mais lhes transmitia o sorriso, mas um ar sério e penetrante como a própria treva a emanar uma luz própria que surgia. O silêncio entre o som e o não-som. A dúvida entre a verdade que se mostrava explícita, desnudada, cara a cara.

O que fazer? O que fazer? O que... fazer. Ah, sim, não havia mais ninguém a lhes observar e a lhes censurar. Poderiam fazer qualquer coisa, mas não estavam certos, apesar do amor a lhes seduzir. Na parede, a continuação dos segundos que passavam no relógio que insistia em emitir leves estalidos, obra duma madeira velha numa engenhoca mecânica com pouca manutenção. Tic-tac. O tempo passava, mas seus corações, em fúria, pareciam funcionar por toda a eternidade. A seriedade expressa em suas faces rubras se transformava lentamente em... em... em quê? Não saberia dizer o que é que ocorre nessas horas.

Tic-tac. Os corpos começaram a se debruçar, como num magnetismo atrativo a lhes trazer para mais perto. Tic-tac. O relógio não contava mais as horas: seu tempo era etéreo. Iam debruçando-se, se aproximando inteiramente: era o que queriam. Era o que queriam? Tic-tac. Parecia não findar. As faces a se inclinar, num sincronismo perfeito, não ensaiado, a se aproximar mais e mais. estavam sedentos. Transpiravam. Os lábios se tocaram, a excitação máxima começou a estabilizar-se e agora parecia ser mais fácil que antes.

Tic-tac. As mãos a se encontrarem, ainda perdidas, nas outras mãos, nas outras costas e pescoços e braços e coxas e mãos novamente a deslizarem sem pudor no que, de fato, não lhes pertencia. Os corpos a se encostarem de verdade, a sentir o calor do outro a lhe estremecer. A respiração forte. Os lábios que não paravam por um segundo sequer, há anos desencontrados... E por quê, se era o que queriam? 

Tique-taque: o relógio era mais lento, não emitia mais o mesmo som. Eles não percebiam, mas sentiam que o tempo agora era a favor da sua vontade. Não foi falado mais nada: sabiam o que queriam. O tempo estava a lhes pertencer: tique-taque. Os dois amantes. Tique-taque. Estavam sedentos do sabor que nunca houvera sido degustado. A própria carne a roçar a outra carne e vice-versa. As mãos, despudoradas, a ajudar a lhes despir. Tique-taque. Um corpo contra o outro corpo, os dois corpos nus, os dois amantes em um. E o tempo, a lhes amar como um terceiro amante a não permitir que aquilo findasse.






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